Dr. José Quagliotti Salamone – Advogado e sócio fundador da Salamone Advogados Associados
O presente trabalho tem por objetivo discorrer, sucintamente, sobre a teoria da perda de uma chance e sua aplicação na área médica. Revela-se um tema importante por ser aplicado pelos tribunais brasileiros, mesmo se tratando de um instituto não codificado.
Antes de adentrarmos à temática propriamente dita, é importante tentar compreender o conceito jurídico de responsabilidade civil.
Responsabilidade civil é o dever de reparar os danos, materiais ou imateriais (dano moral) provocados por terceiros, por atos ilícitos por estes praticados. Pode ser subjetiva ou objetiva, conforme seu fundamento.
O artigo 186, do Código Civil Brasileiro, preconiza que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, ficando obrigado a reparar o dano (art.927).
Contudo, em razão da profundidade do tema, o que propiciaria longas explanações técnicas sobre o instituto da responsabilidade civil, focaremos na questão de fundo.
Historicamente, a “teoria da perda de uma chance” (perte d´une chance) surgiu na França, na década de 60, e foi bastante difundida na Itália. No Brasil, sua aplicabilidade é relativamente nova.
A questão apresentada cuida de nova vertente na responsabilidade civil: a possibilidade de reparação pela perda de uma chance. Em outras palavras, o ressarcimento pela perda da oportunidade de conquistar determinada vantagem ou evitar certo prejuízo.
Em que pese a teoria não esteja codificada, há boa aceitação por parte da doutrina e da jurisprudência pátria. Tal instituto poderá ser aplicado toda vez que em virtude da ocorrência de um ato ilícito, a vítima se ver frustrada em uma expectativa positiva.
O problema da aplicação dessa teoria na área médica no Brasil está justamente no nexo de causalidade, pois é difícil identificá-lo bem como no quantum indenizatório, pois visa a reparação pela perda da chance e não pelo prejuízo final.
Mas afinal, o que é a “perda de uma chance” capaz de suscitar a responsabilidade de reparação?
Primeiramente, cumpre realçar que o médico não tem a obrigação de curar, mas sim de aplicar todo o seu conhecimento científico, cumprindo os protocolos corretos e necessários para buscar o resultado desejado.
Assim, a teoria da perda de uma “chance de cura” ou “sobrevivência”, possibilita ao lesado o suporte jurídico necessário para pleitear indenizações em caso de frustração do atendimento ou da conduta médica que o possa ter privado de alguma chance real.
Por muito tempo o direito ignorou a possibilidade de se responsabilizar o médico por ter causado a perda de uma chance de cura ou sobrevivência, argumentando-se que aquilo que não aconteceu não poderia nunca ser objeto de certeza, a propiciar uma reparação.
Desta forma, para a procedência do pedido do paciente, imperiosa que estejam devidamente configuradas, de modo preciso, a seriedade da probabilidade de cura ou sobrevivência e sua relação de causalidade direta com os atos praticados pelo médico desiduoso.
Como dito linhas acima, por ser uma questão ainda relativamente recente no Brasil, há muita discussão sobre o tema.
O assunto merece profundas reflexões para se evitar desvirtuamentos, enquadramentos errôneos e até mesmo corrida desenfreada e irresponsável na busca de indenizações para qualquer situação.
A perda de uma chance deve ser plausível, sob uma análise criteriosa e extremamente técnica, excluindo-se as meras expectativas e possibilidades hipotéticas em busca de um locupletamento sem causa.