Muito se discute acerca da problemática do erro médico em situação de cirurgia plástica, tanto sob a esfera estética, quanto reparadora, de forma que se exige uma profunda análise acerca do procedimento médico adotado para que se conclua a respeito da existência, ou não, de responsabilidade do profissional da medicina. Em diversos cenários, o paciente, ao conhecer a existência de amparo legal e se mostrar insatisfeito com determinados aspectos resultantes de seu procedimento cirúrgico, acaba por querer, incondicionalmente e, muitas vezes, de forma exagerada e desorientada, responsabilizar o médico de alguma forma, ainda que não se reste sobejamente comprovado dano ou erro por parte do mesmo. Reiteradamente, muitos pacientes desconhecem ou deixam de observar aspectos relevantes (e, de certa forma, imprescindíveis) para que possa ser comprovada a responsabilização do profissional da medicina, resultando unicamente em transtornos desnecessários para o mesmo, através de ajuizamentos de ações indenizatórias infundadas.
Diante da recorrência desse problema, o qual resulta em demasiadas demandas judiciais contra médicos que realizaram seu ofício devidamente, urge que sejam levantados pontos relevantes nos quais o profissional acusado descabidamente pode se escorar em uma defesa judicial. São eles:
- Utilização de técnicas adequadas ao procedimento:
Uma vez que as técnicas e ferramentas utilizadas durante o procedimento cirúrgico plástico específico estejam de acordo com o que roga a literatura médica e as recomendações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e estas sendo comprovadas pelo médico encarregado que foram manejadas corretamente durante todo o processo cirúrgico, encurta-se significativamente a gama de possíveis alegações por parte do paciente (autor da ação indenizatória, no caso) acerca de negligência ou imperícia médica no momento da cirurgia. Tal matéria fática pode ser facilmente comprovada através da descrição detalhada dos prontuários médicos, além da possibilidade de uma análise pericial profunda, pontuando todos os procedimentos (até os mais simplórios) adotados durante a cirurgia, e que estes se mostraram adequados para o caso concreto, uma vez que certas técnicas podem servir para uns, mas não para outros.
- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Anuência do paciente:
Um dos pontos mais importantes no que tange ao conhecimento jurídico-médico consiste no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o conceito de consentimento na medicina e seus desdobramentos (assunto também tratado detalhadamente por nós em nosso artigo ‘’A importância do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) na Medicina’’, também disponível no site). A partir do momento em que todos os procedimentos a serem adotados pelo cirurgião são detalhadamente explicados e discutidos com o paciente, de forma didática e transparente, sanando-se completamente todas as dúvidas possíveis, explicitando todos os cuidados pré e pós-operatórios imprescindíveis para o sucesso da cirurgia, além do esclarecimento acerca de surgimentos de cicatrizes, possíveis complicações e reações orgânicas, período de recuperação, entre outros detalhes, pode-se afirmar que o paciente se encontra devidamente esclarecido.
O documento do termo de consentimento tem como objetivo evidenciar e comprovar o esclarecimento do paciente a respeito dos elementos mencionados, incluindo também as vantagens inerentes ao procedimento, riscos e advertências, com a utilização de uma linguagem simples e de fácil entendimento para leigos da Medicina. Basta a leitura integral do documento redigido pelo médico, juntamente com a assinatura e rubrica do paciente, para que seja imposta sua validade.
Portanto, conclui-se que tanto o esclarecimento documental, quanto verbal, mostra-se ser de suma importância para a comprovação de inocência do médico acusado.
- Detalhamento dos procedimentos contratados pelo paciente:
O paciente, ao possuir como intenção que o médico cirurgião realize procedimentos específicos diversos ao longo da cirurgia, que possam englobar diversas partes e membros do corpo (Como por exemplo, redução mamária em conjunto com lipoaspiração abdominal), esta deverá ser explicitada e devidamente explicada ao médico no momento das consultas pré-cirúrgicas. Isso se deve pelo motivo de que, a partir do momento em que não é realizado determinado procedimento específico no momento da cirurgia, sendo que este não fora evidenciado pelo paciente, em seu pré-cirúrgico, que tinha a vontade de realizá-lo, não poderá o paciente clamar em demanda judicial que o médico descumpriu com sua obrigação de fazer.
- Distinção entre Cirurgia Plástica Reparadora e Embelezadora:
Outro tema bastante relevante no tocante ao conhecimento jurídico-médico consiste na diferença entre cirurgia plástica embelezadora e reparadora, às quais as responsabilidades e obrigações médicas atribuídas possuem distinções significantes, e que, em uma demanda judicial de ação indenizatória, consiste em ponto chave (tema também tratado em nosso site – Artigo ‘’Cirurgia Plástica Embelezadora: Obrigação de meio ou de resultado? ’’).
À medida que a cirurgia plástica de cunho reparador engloba correções de traumas, tanto congênitos, quanto adquiridos, o método de cirurgia plástica embelezadora consiste em um procedimento estético de elevação de grau de beleza do indivíduo, possuindo caráter meramente subjetivo, um agrado à autoestima do paciente. Na primeira, o médico cirurgião apenas se responsabilizará por uma obrigação de meio, isto é, o médico se compromete a utilizar todos seus conhecimentos e técnicas possíveis para tratar seu paciente da melhor forma possível, não se obrigando com o resultado final do procedimento Em contrapartida, o segundo método cirúrgico vincula o médico à obrigação de resultado, havendo culpa presumida, invertendo-se o ônus da prova, ou seja, se resta cabido ao acusado comprovar a inverdade do que lhe está sendo imputado judicialmente.
Destarte, deve muito se atentar o profissional da medicina, no momento de sua defesa, especificar minuciosamente a espécie de procedimento cirúrgico plástico requerido para o caso concreto, uma vez que muito se confundem os pacientes acerca dos dois métodos, imputando ao médico, por exemplo, responsabilidade por descumprimento de obrigação de resultado em ocasião de cirurgia plástica reparadora, tese a qual não se funda.
- Ausência de intercorrências relevantes durante o procedimento cirúrgico reparador:
Utilizando-se como gancho o tópico anterior, o êxito ou não de um procedimento cirúrgico reparador, majoritariamente, é dependente de inúmeros aspectos ocorridos durante o processo. Não se torna cabível atribuir automática culpa ao profissional da medicina por um insucesso cirúrgico plástico. Tudo vai depender da análise minuciosa das circunstâncias ocorridas durante o procedimento. Portanto, em casos de cirurgia plástica reparadora, por exemplo, em que não há obrigação pelo resultado, mas sim pela preservação do bem estar do paciente, ao haver a comprovação de inexistência de intercorrências relevantes durante o procedimento, ou seja, que pudessem fornecer algum tipo de perigo à saúde do operado, não há como se discutir erro médico em caso de resultado parcialmente indesejado pelo paciente (Ex.: Aparecimento de cicatrizes, enxertos de pele, etc.). O objetivo principal do procedimento cirúrgico reparador – garantia de um tratamento melhor possível – foi garantido. Nesse caso, portanto, não há qualquer hipótese de responsabilização médica.
- Acompanhamento Pós-Operatório – Negligência do paciente:
O paciente, após a realização de um procedimento cirúrgico plástico, tanto reparador, quanto embelezador, torna-se também responsável pelo sucesso de seu pós-cirúrgico, como, por exemplo, se atentar aos medicamentos necessários a serem ministrados corretamente, troca de curativos, comparecer aos retornos médicos estabelecidos pelo cirurgião encarregado nas datas corretas, realização dos tratamentos clínicos indicados para uma pronta recuperação em tempo adequado, entre outros fatores importantes para um pós-operatório sem maiores problemas. Muito se observa casos de pacientes que acusaram seus médicos pelo insucesso de seu pós-operatório, porém a culpa deste mau resultado estando atribuída à negligência do próprio paciente em cuidar de seu próprio corpo.
Provas relevantes para a comprovação de ausência de responsabilização do médico nestes casos englobariam, por exemplo, anotações de prontuário médico acerca das faltas do paciente às consultas de retorno pós-cirúrgico, descontinuidade do paciente em comparecer em tratamentos clínicos específicos necessários à boa recuperação.
Prejuízos clínicos derivados de condutas desidiosas de pacientes negligentes com seu próprio tratamento jamais poderão ser atribuídos ao médico!
- Resultado Infactível pretendido pelo paciente:
Outro tema que merece bastante atenção no que se refere a possíveis alegações a serem feitas, de forma equivocada, por um paciente no momento de uma demanda judicial indenizatória consiste no insucesso do médico cirurgião plástico em alcançar determinado resultado pretendido, entretanto este, segundo a literatura médica, englobando algo infactível, isto é, inalcançável, impossível de ser feito.
Atualmente, muito se observa, principalmente em ocasiões que envolvam procedimentos plásticos estéticos, a incessante busca pela famigerada ‘’beleza perfeita’’, em que padrões estéticos são incessantemente impostos, sendo que estes, muitas vezes, chegam a beirar à fantasia. Portanto, deve-se atentar o médico, nestes casos, ao que pode e o que não pode ser feito em um procedimento cirúrgico plástico, sobretudo no tocante à estética, em que muitos pacientes acabam se iludindo com resultados fora da realidade, os quais, segundo a literatura médica, jamais poderiam ser alcançados.
Ao se deparar com uma acusação pelo paciente de inalcance de resultado de procedimento cirúrgico plástico (neste caso embelezador, uma vez que, como já explicitado, o procedimento cirúrgico plástico reparador não se obriga com o resultado, ressalta-se), torna-se de suma importância que o médico, em sua defesa, manifeste seus mais detalhados conhecimentos acerca das possibilidades terapêuticas e cirúrgicas factíveis para o caso concreto, tanto através de menções à literatura médica no geral, quanto com perícias, caso tenha interesse em aprofundar-se ainda mais no assunto.
O médico jamais poderá ser responsabilizado pelo alegado insucesso em um procedimento cirúrgico cujo resultado pretendido mostra-se completamente fora da realidade. Pode-se considerar, inclusive, que uma alegação de responsabilidade médica por parte do paciente como esta chega a beirar a má-fé.
- Alegação do paciente acerca de danos psicológicos sofridos – Insatisfação:
No que tange ao campo processual do Direito, da produção de provas consiste em um dos principais e imprescindíveis. Em uma demanda judicial cível, em sua maioria ações indenizatórias (responsabilização médica por erro), torna-se indispensável que o paciente (autor da ação) comprove os danos sofridos que foram alegados, através da produção de provas documentais, testemunhais, periciais, etc. Muito se observa, em situações de ações indenizatórias por erro médico, sobretudo em cirurgias plásticas embelezadoras, a argumentação do paciente-autor acerca de seu sofrimento psicológico diante de resultado insatisfatório.
Entretanto, para a devida comprovação de dano psicológico sofrido pelo paciente-autor, é imprescindível ao mesmo que produza prova documental que possa corroborar com a tese (uma das mais comuns consiste em, por exemplo, laudos psiquiátricos produzidos por profissionais da psicologia aos quais o paciente possa ter recorrido em tempos de profunda aflição de sofrimento). Sem a devida comprovação concreta, não há como ser provado o alegado sofrimento do autor de forma convicta e incontroversa.
Portanto, o profissional da medicina (réu) deve demasiadamente se atentar a estes detalhes e lacunas probatórias em um processo judicial, visto que, muitas vezes, tais falhas cometidas na ação proposta pelo paciente (autor) podem acabar passando despercebidas, o que pode prejudicar significativamente a defesa.
Ademais, outro recurso bastante interessante nos dias de hoje, a fim de se produzir provas, é a utilização e exploração das redes sociais. Muitas vezes, inclusive por atos de má-fé, o paciente-autor acaba por alegar em sua petição inicial sofrimentos psicológicos inexistentes, pelo simples motivo de querer adquirir vantagem na demanda judicial, em cima de mentiras. Neste contexto, o paciente acaba alegando sofrimento e insatisfação com seu corpo após a realização de cirurgia plástica estética, por exemplo, porém mostra-se completamente satisfeito em suas redes sociais, postando diversas fotos mostrando seu corpo, como quem se encontra completamente realizado com o resultado alcançado.
Dessa forma, a demonstração destas incongruências presentes na tese autoral no momento da defesa judicial do médico mostram-se de fundamental importância para a refutação dos argumentos alegados contra o profissional.
Dr. José Q. Salamone, advogado especialista em Direito Médico.