Dr. José Quagliotti Salamone – Advogado e sócio fundador da Salamone Advogados Associados
“Quando a morte é o maior perigo, se espera na vida; mas quando se encontra um perigo ainda maior, se espera na morte. Entretanto, quando este perigo é tão grande que a morte se torna a esperança, o desespero é a não esperança de não poder nem mesmo morrer” (S.Kieerkegaard).
O desenvolvimento médico-científico permitiu uma melhora importante e sem precedentes na qualidade de vida do ser humano e um aumento significativo na sua longevidade.
Este último aspecto trouxe um elemento completamente novo na sociedade pós-moderna: convive-se por mais tempo com as doenças crônicas e, com os avanços tecnológicos e farmacêuticos, a sobrevida em casos terminais foi mais alongada.
Dessa forma, surgiu uma nova angústia. O temor da não-vida ou da não-morte daquele estágio intermediário e prolongado de sofrimento que se torna, ainda, mais inquietante do que o próprio evento morte e que trouxe dilemas antes desconhecidos.
O que se propõe no caso de paciente em terminalidade de vida: aliviar seu sofrimento induzindo morte piedosa (eutanásia) ou manter apenas os seus sinais vitais, com uso de meios agressivos, mas inúteis, mesmo que não haja prognóstico (ortotanásia)?
Aqui, entra o conceito de ortotanásia ou eutanásia negativa ou eutanásia passiva, que é o deixar morrer naturalmente (morte correta), sem intervenções agressivas e inúteis, mas cercando o paciente de cuidados especiais que lhe permitam um “morrer digno e sem sofrimento”.
No campo jurídico, a definição da ortotanásia tem imensa relevância na configuração do fato como criminoso ou não. Ao definir ortotanásia, deve ficar claro que o sujeito não possui dolo em atingir o bem jurídico “vida”.
Encontram-se na doutrina especializada diversos conceitos. Ortotanásia, é a omissão de uma indicação terapêutica para determinado caso clínico. Também pode ser definida como a omissão de toda intervenção que possa prolongar a vida de forma artificial. É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo.
No que concerne à eutanásia, esta é conhecida como “morte sem sofrimento”. É o médico induzindo o fim da vida de forma direta, ativa.
A eutanásia, ainda que com a concordância do paciente ou de seus familiares, não encontra previsão legal no nosso ordenamento jurídico e, portanto, deve ser avaliada à luz do que preconiza o art. 121 do Código Penal vigente.
Porém, com o advento do Projeto de Lei nº 236/12, do Senado Federal (novo código penal), se aprovado, a eutanásia constaria como figura típica do crime (art. 122 – dito homicídio privilegiado).
No que tange à ortotanásia, prevista inclusive no parágrafo único do art. 41 do Código de Ética Médica, não teve tratamento no referido anteprojeto.
É certo que o Direito Penal deve tratar da eutanásia, mas não a partir de uma norma penal incriminadora; ao contrário, o projeto do novo Código Penal, se mais ousado fosse, teria instituído a eutanásia como causa excludente de ilicitude.
Finalizando, a morte pertence à vida, como pertence o nascimento. O caminhar tanto está em levantar o pé como em pousá-lo ao chão.
Apesar da complexidade do tema e das polêmicas levantadas, a eutanásia e ortotanásia precisam ser discutidas no plano jurídico com o auxilio das ciências médicas e de seus profissionais.
Devem ser consideradas a opinião do médico e, principalmente, a vontade do paciente em estado terminal ou de sua família, esta com enormes ressalvas diante de interesses sucessórios. Quando houver o desejo de interromper o tratamento, a autonomia individual deve ser respeitada, uma vez que, em regra, ninguém sabe o que é melhor a si mesmo do que a própria pessoa.
A norma penal deve ser interpretada de acordo com a lesão ao bem jurídico tutelado, sem ignorar a presença dos elementos subjetivos do tipo. No caso específico da ortotanásia, reprise-se, não há dolo de lesão ou perigo à vida. O que se pretende é preservar a dignidade humana de quem esta em estado precário de saúde, tomado pelo sofrimento e sem perspectiva de cura.
Em tese, não haveria a necessidade de qualquer alteração na legislação, pois o direito à vida e à dignidade humana está previsto na Constituição Federal e deve ser aplicado na interpretação do Código Penal vigente.
No entanto, uma previsão expressa na lei sobre a ortotanásia como fato atípico (ou lícito) findaria com as discussões sobre sua permissão.
Artigo de autoria do Dr. José Quagliotti Salamone, advogado e sócio fundador da Salamone Advogados Associados