Manual Jurídico – Cobertura por convênio médico e pelo SUS acerca de medicações de alto custo.
De início, antes de se ressaltar os pontos principais do tema em questão e aprofundá-los, prescinde-se levar em consideração sua premissa principal, a qual resume significativamente este debate: Havendo prescrição médica, a negativa de cobertura de medicamentos de alto custo pelo plano de saúde é abusiva.
Uma questão que muito tem afligido os usuários de planos de saúde é a cobertura de medicamentos de alto custo pelo plano de saúde. Esses medicamentos são, em geral, de uso contínuo, indicados para doenças como câncer, hepatite, HIV, asma e outras doenças crônicas. Reiterando, as operadoras de planos de saúde que vetam o fornecimento de medicamentos estão realizando uma prática abusiva, além de colocar em risco a vida dos pacientes.
Para que essa pauta seja mais bem aprofundada em detalhes, tanto no campo da Medicina, quanto do Direito, prescinde-se atentar aos tópicos a seguir:
Na ausência de outros critérios, torna-se possível inferir que medicamentos de alto custo são aqueles cujos preços atingem algumas centenas de reais, podendo chegar até a milhares.
Situações em que um tratamento mais complexo exige o uso de determinada medicação (por indicação médica), o consumidor possui o direito à cobertura do medicamento de alto custo pelo plano de saúde.
As operadoras de seguro, em sua defesa, alegam que os tratamentos solicitados não constam no rol de procedimentos obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ou que o tratamento com uso dos referidos medicamentos é de caráter experimental. Por isso, justificam a negativa de cobertura de medicamentos de alto custo.
A justificativa mais comum dos convênios médicos consiste justamente na ausência do medicamento solicitado para determinado tratamento no rol da ANS – Agência Nacional de Saúde – ou questiona-se o registro na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ou ainda por serem classificados como medicamentos „‟off label’’ (isto é, que estão fora da indicação ou protocolo padrão).
Nesse sentido, torna-se necessário esclarecer que a Justiça tem entendido que o rol de cobertura obrigatória da ANS é exemplificativo, e não taxativo. Portanto, a recusa no fornecimento de medicamentos essenciais a determinado tratamento médico é, normalmente, considerada abusiva (tese reiterada pela Súmula 102, do Tribunal de Justiça de São Paulo).
Majoritariamente, a recusa do pedido pode ser motivada por cláusulas contratuais que restringem a cobertura ou terapia para uso doméstico, ou ainda pelo medicamento ser considerado de natureza experimental. Todavia, tais fundamentações também podem ser consideradas abusivas. Isso se deve pelo motivo de que a leitura do contrato de convênio médico, segundo o CDC – Código de Defesa
do Consumidor – deve ser a mais favorável ao segurado (Princípio fundamental do Direito Consumerista: Interpretação favorável ao consumidor).
Destarte, muitas dessas cláusulas são consideradas nulas por colocarem o consumidor em desvantagem exagerada frente à operadora de plano de saúde.
Por fim, a justificativa de que uma equipe médica não autorizou o pedido daquele remédio (tanto experimental, quanto off label) é também bastante condenada pela jurisprudência, a qual tende a considerar que o médico encarregado e responsável pelo paciente torna-se o especialista mais capacitado para a prescrição de remédios e terapias adequadas ao caso concreto.
Dessa forma, é pertinente o pedido de tutela antecipada em casos em que se exige maior celeridade do Judiciário, em casos de fármacos caros. Basta uma busca nos tribunais para notar o enorme grupo de remédios de alto preço “excluídos” das coberturas de planos.
Analisando fundamentações e jurisprudência, nesses casos em especial, são pertinentes medidas urgentes ou processos em face das operadoras de convênio médico, os quais possuem a “obrigação de fazer”, isto é, normalmente são
condenados a fornecer medicamentos em casos de doenças graves, ou quando resta comprovada a imprescindibilidade, embora às vezes paliativa, daquela terapia.
Nesses casos, os direitos do consumidor e à saúde prevalecem, podendo gerar, inclusive, possíveis indenizações por danos morais ao paciente, que fora submetido a sucessivas situações constrangedoras, indevidas, que lhe causaram aflição e medo, justamente em situações quando mais se necessita do amparo do convênio médico, tendo em vista a necessidade de tratamento médico prescrito.
Em suma, a negativa de cobertura de medicamentos de alto custo configura uma prática completamente abusiva e descabida!
Havendo prescrição médica e indicação que justifique o uso da medicação como mais adequada para o tratamento, o medicamento de alto custo deve ter cobertura do plano de saúde. Há ainda, inclusive, casos em que o medicamento pode ser administrado na residência do paciente (em casos de alta hospitalar), possuindo estes,
também, obrigatoriedade em relação à sua cobertura por parte da operadora.
- i) Quimioterapia, radioterapia e imunoterapia;
- ii) Tratamento de Hepatite C;
iii) HIV;
- iv) Asma Severa.
Solicitada a autorização, o paciente pode ser surpreendido por negativa de cobertura do plano de saúde para medicamentos de alto custo, baseada em limitações do contrato, caráter experimental ou a justificativa de que não consta no rol da ANS, conforme explicado anteriormente. Por esse fato, os tribunais têm recebido cada vez mais ações de pacientes que precisaram recorrer à Justiça, pois receberam negativa de cobertura de medicamentos de alto custo pelo plano de saúde.
Neste cenário, torna-se de suma importância mencionar súmulas do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca do tema, como forma de fortalecer o argumento em relação a obrigatoriedade das operadoras de plano de saúde em relação à cobertura das medicações de alto custo. São elas:
∙ Súmula 95: “Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.”
∙ Súmula 96: “Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.”
∙ Súmula 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental.”
Diante dessas explicações no tocante à argumentação jurídica da obrigatoriedade de cobertura de medicamentos de alto custo, prescinde-se explanar a seguir, também, sobre o funcionamento e as etapas que englobam a demanda judicial.
Assim como as operadoras de planos de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS) também fornece medicamentos de alto custo (Medicamentos Especializados). Para que seja possível solicitar o custeio do tratamento, o paciente deverá apresentar:
∙ Recomendação do tratamento, chamada Laudo de Medicamento Especializado (LME);
∙ Termo de responsabilidade (se obrigatório pela LME)
∙ Laudos de exames que indiquem o diagnóstico da doença;
∙ Cópia do cartão nacional do SUS;
∙ Cópia dos documentos pessoais (RG e CPF).
Ademais, em casos de medicamentos excessivamente caros, ou de doenças raras, pode ser necessário realizar a verificação de documentos, além de ter que passar por novas consultas e exames para a confirmação da existência da doença. Feita a solicitação, o paciente deverá pedir uma cópia do protocolo, com o intuito de se evitar problemas burocráticos futuros. Caso a cobertura seja autorizada, o paciente receberá um aviso detalhado contendo o local de retirada do medicamento.
O paciente pode pegar medicamentos de alto custo por três meses com a mesma autorização, entretanto a receita deverá ser sempre renovada. Passado este período (Três meses), será necessário realizar uma nova solicitação.
Ao rogarmos princípios constitucionais para a defesa desta tese discutida, conclui-se que a Saúde constitui um direito fundamental do ser humano, sendo dever do Estado (em sentido lato) prover as condições necessárias para seu pleno exercício, garantindo à população geral o acesso aos serviços de saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o qual possui como um dos principais princípios a universalidade de acesso, além da integralidade de assistência
(art. 6º e 196 da CF/88 e Lei 8080/90).
Na hipótese das políticas públicas sejam hipossuficientes, ou até então inexistentes, desenvolvidas no âmbito do SUS, legitima-se a intervenção do Poder Judiciário, para que seja garantido o mínimo existencial necessário para que se tenha uma vida digna, viabilizando o acesso do indivíduo hipossuficiente ao serviço público de saúde, cuja responsabilidade abrange uma solidariedade entre a União, os Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios.
Precedentes Jurisprudenciais: no STF, RE195192/RS, RE271286/RS, AgR175/CE e SS3073/RN. No STJ, RMS 17425/MG, RMS 11183/PR e MS8895/DF.
A liminar consiste em uma decisão obtida no início do processo, que traduz uma decisão judicial dada pelo juiz em caráter urgente, emergencial, com o intuito de garantir ao autor da ação uma providência imediata, que não poderia aguardar o julgamento demorado definitivo da ação.
A liminar também pode ser denominada como tutela de urgência, sendo que, no caso da necessidade de fornecimento de medicamento de alto custo, o juiz
determina, de imediato, que a operadora de plano de saúde envolvida na lide forneça o mais rápido possível o medicamento ao segurado.
As liminares contra planos de saúde demoram, em média, 24h da entrada do processo, podendo, às vezes, haver variações neste prazo, uma vez que dependerá também do juiz encarregado do processo, além da complexidade do caso concreto.
Na maioria dos casos, as liminares em casos de ações ajuizadas contra planos de saúde, os juízes fixam multas que podem variar entre R$ 500,00 e até R$ 50.000,00 diários, com a finalidade de obrigar as operadoras a obedecer a ordem judicial, principalmente em casos envolvendo remédios de alto custo e tratamentos urgentes, trazidos à tona por este manual.
Em caso de descumprimento da liminar pelo plano de saúde réu, o segurado poderá “executar” a multa, a qual será revertida em seu favor, podendo, assim, arcar com o custo dos medicamentos por conta própria
Em procedimentos judiciais comuns contra operadoras de plano de saúde, calcula-se um tempo de duração de, em média, 6 a 18 meses para o julgamento definitivo. Todavia, deve ser esclarecido que a liminar em caráter de urgência é concedida logo no início do processo, e, com a decisão definitiva deste, poderá ser definitivamente confirmada ou cassada, de acordo as provas produzidas ao longo do processo judicial.
Não se pode negar ao paciente o direito a um tratamento digno!
JURISPRUDÊNCIA DO TJSP:
“PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER I. Negativa de cobertura aos medicamentos, sob argumento de se tratarem de medicamentos importados e não autorizados pela ANVISA. Caráter abusivo reconhecido. Existência de prescrição médica. Medicamentos que se mostram necessários, em princípio, à tentativa de recuperação da saúde do paciente, acometida de Hepatite C. Aplicação do disposto no artigo 51, inciso IV, do CDC e da Súmula n. 102 desta Corte. II. Ofensa, ainda, ao princípio da boa-fé que deve nortear os contratos consumeristas. Atenuação e redução do princípio do pacta sunt servanda. Incidência do disposto no artigo 421 do Código Civil. SENTENÇA PRESERVADA. APELO DESPROVIDO.” (AC 1017275-96.2015.8.26.0008; Relator(a): DONEGÁ MORANDINI; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 08/07/2016; Data de registro: 08/07/2016)
“PLANO DE SAÚDE. Autora portadora de Cirrose Hepática. Fornecimento do medicamento. Negativa de cobertura do plano de saúde sob o fundamento de que a medicação é de uso oral domiciliar e por não constar no rol da ANS. Existência de prescrição médica. Recusa de cobertura abusiva (arts. 14 e 51, IV e § 1º do CDC). Aplicação da Súmula nº 102 deste E. Tribunal. Dano moral “in re ipsa”, presente o dever de indenizar. Indenização arbitrada em R$ 10.000,00, em consonância com os critérios legais e com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Condenação ao pagamento de multa por retardo no cumprimento da liminar. Descabimento. Medicamento importado e de alto custo, com entraves para a importação. Sucumbência integral da ré. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO, DESPROVIDO O DA RÉ.” (AC 1009861-38.2015.8.26.0011 – Relator (a): ALEXANDRE MARCONDES; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 29/06/2016; Data de registro: 29/06/2016).
Dr. José Salamone, é advogado especialista em Direito Médico e Hospitalar pela Universidade de Coimbra e pela Escola Paulista de Direito. (www.salamone.com.br) (advocacia@salamone.com.br)